GUARDIÃO DA FLORESTA
por Maria Hirszman - O Estado de S.Paulo
Com uma vitalidade impressionante para quem acaba de completar 90 anos, Frans Krajcberg desembarcou em São Paulo no fim de semana para montar sua terceira exposição individual do ano. Depois da grande mostra no Museu Rodin, em Salvador (em cartaz até dia 17), e de evento similar organizado pelo museu da Fundação Yves Rocher na Bretanha (França) é a vez de o Museu Afro Brasil realizar uma dupla celebração, comemorando simultaneamente o aniversário de um dos mais importantes escultores brasileiros do século 20 e o Ano Internacional das Florestas, iniciativa comandada pela ONU.
Trata-se de mostra enxuta, mas que consegue sintetizar o teor combativo e a força visual das criações desenvolvidas pelo artista há décadas em torno das queimadas, do descaso com as florestas, da incapacidade da sociedade de proteger seu patrimônio natural e humano.
Mais do que comemorar o aniversário ou revelar seu vigor criativo, a intensa agenda de exposições tem um objetivo claro: dar continuidade a uma estratégia aguerrida de denúncia e combate aos crescentes e reiterados abusos contra o meio ambiente. "Aqui vai se ver o fogo das árvores", afirma Krajcberg, que acaba de ser homenageado também com o 6.º Grande Prêmio de Enku, concedido pela prefeitura de Gifu, no Japão. A entrega está prevista para o dia 10 de fevereiro, quando terá início uma exposição das obras dos premiados.
Sem interesse em falar sobre sua obra do ponto de vista estético ou artístico, Krajcberg centra fogo sobre aquele que é seu principal foco de indignação e protesto nas últimas semanas: a aprovação pela Câmara dos Deputados do projeto do Código Florestal. E anuncia em primeira mão que está envolvido com a organização de um tribunal internacional contra o Brasil pelos crimes cometidos contra os índios e a Amazônia, a ser instaurado provavelmente no próximo ano. "A ONU está celebrando o Ano Internacional das Florestas enquanto o Brasil é campeão de desflorestamento. É revoltante a aprovação de um projeto como esse e houve uma forte reação da comunidade internacional, mas aqui no Brasil nem se falou da imagem negativa que isso gerou", afirmou ele, alertando que os protestos estão apenas por começar. "Por que o Brasil ignorou o Ano Internacional da Árvore, por que os deputados votaram para destruí-las?", pergunta ele em meio ao conjunto impactante de fotografias de queimadas que realizou nos últimos anos no Norte e Nordeste.
Além das fotografias e backlights com imagens da queima da natureza - aquela que Krajcberg considera responsável pelo seu renascimento, depois das trágicas experiências que vivencia na Europa durante a Segunda Guerra -, a mostra também reúne relevos construídos com destroços de madeira, troncos retorcidos e destroçados que o artista resgata e transforma em elemento plástico de grande impacto visual; uma seleção de quatro documentários feitos sobre a sua vida e obra por cineastas como Walter Salles Jr. e Stéphane Bohi, e duas esculturas de grande porte. Uma delas jamais foi exposta.
Realizada para a frente do espaço Frans Krajcberg que seria criado no Parque do Ibirapuera pela Prefeitura de São Paulo, a obra é como um brado, um desabafo da natureza. Lembra uma grande árvore repleta de gigantescos espinhos tingidos de vermelho. Passou anos empacotada à espera da decisão da Justiça, já que a iniciativa de criar o espaço enfrentou a resistência dos moradores do bairro. Apesar de a Prefeitura ter obtido ganho de causa até o momento, o projeto foi definitivamente arquivado.
"A lição de Curitiba já foi muito humilhante", desabafa ele se referindo ao descaso com que as 110 obras que doou à prefeitura da capital curitibana foram tratadas após a alternância de poder. Segundo ele, seus trabalhos estavam em péssimo estado de preservação e conservação e celebra que finalmente conseguiu da Justiça o direito de tê-las de volta, supostamente para restauro, mas dificilmente Krajcberg autorizará seu retorno.
A abertura de novos espaços de exposição, debate e conscientização parece ser um de seus grandes objetivos. Sempre que é indagado sobre o caráter plástico de sua produção, ele desconversa, demonstrando que cada vez mais considera arte e vida como algo totalmente amalgamados. "Só o que é ecológico me interessa", desabafa ele que está em negociações com o Museu Guggenheim/NY, em torno de um novo espaço para divulgar sua obra já que, infelizmente, as iniciativas no Brasil têm se mostrado inviáveis.
Todos os planos, com exceção do da Bahia, enfrentam problemas. A opção por projetos locais - que se somariam ao museu que já leva seu nome na capital francesa - se deve a motivos óbvios. Não bastasse o fato de o Brasil bater tristes recordes de devastação ambiental e "esquecer que nessas florestas vive um povo, o indígena", foi graças à natureza brasileira que Krajcberg diz ter nascido uma segunda vez. "A natureza soube me dar a força e me deu o prazer de sentir, pensar, trabalhar e sobreviver."
Quando o artista desembarca por aqui, em 1948, já havia enfrentado os horrores da Segunda Guerra, visto sua família ser dizimada pelos nazistas e via com olhos extremamente críticos os rumos da dita civilização europeia. Veio parar por aqui ao acaso, por intermédio de um amigo que lhe foi apresentado por Marc Chagall. Desembarca em meio a uma grande efervescência cultural, participa da 1.ª Bienal de SP, convive com importantes artistas locais, como Sergio Camargo e Volpi. Mas é do contato com a natureza, a paisagem, a matéria orgânica que extrai energia e inspiração, seja nas florestas paranaenses, na Amazônia, nas montanhas de Minas Gerais ou nos mangues baianos.
QUEM É FRANS KRAJCBERG?
ARTISTA PLÁSTICO
Nascido na Polônia (1921), estudou artes e engenharia e mudou para o Brasil em 1948. Mantém desde os anos 1960 um sítio e ateliê em Nova Viçosa (BA) onde está sendo construído um espaço dedicado a sua obra e coleção.
SERVIÇO:
FRANS KRAJCBERG
Museu Afro Brasil
Museu Afro Brasil
Av. P. Alvares Cabral, s/nº, Pq. do Ibirapuera,
fONE: 3320-8900. 10h/17h (fecha 2ª).
Grátis. Até 6/11.
07 de julho de 2011 0h 00
Maria Hirszman - O Estado de S.Paulo
07 de julho de 2011 0h 00
Maria Hirszman - O Estado de S.Paulo
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